Exuberância, carisma, voz, sensualidade, chiqueza, tudo em Mariah Carey vem servido em grandes quantidades. No seu show em São Paulo na sexta-feira (20), em um Allianz Parque lotado, não foi diferente.
O público paulistano ficou estatelado com uma apresentação marcada por habilidade técnica e emoção transbordante. Na plateia, cenas explícitas de choro, gritos, dança e cantoria eufórica. No palco, uma estrela maior, que encantou fãs com sorrisos largos, olhares generosos e um jeito que passeia entre o doce e o sensual numa piscadela de olho. “Eu te amo”, declarou perto do final da apresentação.
A primeira “whistle note” (“voz de apito”, o registro agudo que virou marca da cantora) veio logo na música de abertura, “Love Takes Time”. Em seguida, o hitaço “Emotions” sobe a temperatura com sua levada dançante.
Ao longo de uma hora, o repertório puxa músicas de todas as fases da cantora. É uma fartura de sucessos: só de número uns na parada americana, Mariah tem dezenove (um a menos que os recordistas Beatles). “Hero”, “Heartbreaker” e “We Belong Together” são alguns que ela traz para o show em São Paulo.
“Esse é meu 17º número um”, anuncia na entrada de “Don’t Forget About Us”. A estatística é desnecessária? Talvez não. Ainda falta na crítica e historiografia da música pop (escrita majoritariamente por homens que amam rock) o reconhecimento do fenômeno que é Mariah Carey.
No palco, o que se vê é um espetáculo de excelência: aos 55 anos, Mariah tem a voz intacta. Faz salto à distância entre intervalos musicais, num registro que é límpido e potente, com a facilidade de quem diz “bom dia”.
Os músicos de apoio impressionam pela destreza e versatilidade, incluindo aí o cantor Trey Lorenz, que faz backing vocals para Mariah desde seu primeiro álbum. A trupe de dançarinos é um show extra, que segura a plateia sem problemas nos momentos em que a cantora precisa trocar de vestido (são quatro looks no total, sempre sofisticados, muito brilhantes).
A fatia maior de músicas vem de “The Emancipation of Mimi”, álbum de 2005 que é um manifesto de libertação artística e pessoal, “a verdadeira essência de quem eu sou”, conforme disse uma vez (Mimi é um apelido da cantora).
O show de São Paulo (Mariah também se apresenta domingo no Rock in Rio) se insere na turnê internacional “The Celebration of Mimi”, comemoração do álbum iniciada com uma temporada de oito apresentações em Las Vegas (com a alta procura, mais oito foram adicionadas). O enorme letreiro com o nome Mimi, utilizado na turnê original do álbum, reaparece na cenografia da excursão atual.
Em acordo com o conceito do álbum, o show é permeado por um tom pessoal, entre o retrospectivo e o confessional. Logo no início, antes da artista entrar no palco, com o palco ainda escuro, uma gravação da voz de Mariah relembra cenas e sentimentos de uma infância e juventude que ela descreve como solitária e amedrontada. “Às vezes, ela se encontra em um raro momento de alegria”, diz o texto, traduzido em português no telão.
Em outro momento, ao som de um remix house da música “Dreamlover”, o telão mostra imagens de diversos momentos da carreira de Mariah: a cantora dando entrevistas, abraçando fãs, viajando pelo mundo, além de flagrantes de momentos descontraídos.
Mariah oferece ao público esses dois lados: a estrela que conquistou o mundo e a menina que sofreu com bullying e rejeição. É uma bagagem que faz da cantora uma articuladora especial da vulnerabilidade. Quando interpreta clássicos de outros artistas, ela parece não ter nenhuma dificuldade em fazer com que sejam sobre suas tristezas e vazios. Essas covers, como “I’ll Be There” (Michael Jackson) e “Without You” (Badfinger/Harry Nilsson) são pontos altos do show.
A apoteose acontece no bis, quando a cantora transforma “I Want to Know What Love Is”, clássico oitentista do grupo britânico Foreigner, em um hino que parece sintetizar sua trajetória, onde sofrimento deu lugar à esperança. É uma linda mensagem final. Quem não foi para casa mexido depois dessa, precisa urgentemente checar os batimentos cardíacos.