Nova Entrevista da MC para a Revista GQ – “Mariah Carey Já Viu de Tudo: ‘Foi Tanto Drama'”


Em uma entrevista que percorre toda a sua carreira, a lenda do pop conversa com a GQ sobre Prince, Paul McCartney, faixas escondidas, covers com IA e seu novo álbum cheio de alma Here For It All. Além disso, Dev Hynes, Jermaine Dupri e Daniel Moore falam sobre a diva longe dos holofotes.

Por Raymond Ang
Para GQ Magazine

Mariah Carey é conhecida por não reconhecer o tempo.

Ela comemora festividades, mas não aniversários de nascimento. Declara-se “eternamente com 12 anos”, apesar de já ter 16 álbuns de estúdio nas costas. E em uma recente montagem especial exibida durante sua homenagem no MTV Video Vanguard Award, muitas vezes era difícil dizer qual clipe era de agora – quando ela voltou ao topo das paradas de R&B pela primeira vez desde 2005 com “Type Dangerous” – e qual era de 1995, o ano em que se tornou a primeira artista feminina a estrear uma música direto no número um (com a vibrante “Fantasy”, clássico que sampleia o Tom Tom Club).

Mas é justamente a passagem do tempo que permitiu que o verdadeiro legado de Mariah se cristalizasse.

No início da carreira, a imprensa celebrava seu “atletismo vocal”. Uma cantora poderosa, reverenciada pelos melismas ágeis e pelas notas estratosféricas em registro de apito, Mariah era definida por seus extremos vocais – os whistle notes (agudos) usados com generosidade em “Emotions”, o sussurro que passou a explorar em Butterfly, o contralto encorpado que apareceu em faixas como “Melt Away”.

Com o passar dos anos, porém, revelou-se outra coisa: uma maratonista. Uma cantora, compositora e produtora cuja profundidade artística e consistência musical só se tornaram mais inegáveis com o tempo. Aqueles elementos sonoros tão característicos – o melisma magistral sobre batidas de hip-hop, as letras cheias de referências espirituosas, o ouvido refinado para criar refrões pop no melhor estilo Brill Building – se acumularam em uma assinatura única. Um som que influenciou gerações inteiras de artistas, de Beyoncé a Grimes, passando por Drake e Ariana Grande.

Olhamos para o auge de sua era blockbuster nos anos 90 e para

a ressurgência improvável em meados dos anos 2000 com uma nostalgia dourada tão intensa que, às vezes, é fácil deixar passar o que ela conquistou na fase mais recente da carreira.

Sem jamais se curvar às tendências das paradas em busca de um hit rápido, Mariah permaneceu fiel a si mesma, aprofundando cada vez mais sua sonoridade característica a cada novo álbum. A aclamação crítica em torno de Caution (2018) soou como o momento em que a cultura finalmente reconheceu Carey como a autora completa que ela sempre foi. Foi o seu Time Out of Mind: uma obra-prima tardia que deixou claro que Mariah não é um ato de nostalgia, mas sim uma artista que continua escrevendo sua história em tempo real.

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Mariah Carey se tornou a primeira artista feminina a estrear direto no topo da Billboard Hot 100 com “Fantasy” — uma música que acabou ajudando a mudar o som do pop, graças ao remix histórico com Ol’ Dirty Bastard. (Foto: Kevin Mazur Archive/WireImage via Getty Images)

Here For It All, seu primeiro álbum de estúdio em sete anos, é mais uma prova disso. Mais uma vez, temos Mariah em sua melhor forma, equilibrando o fervor soul de álbuns como Charmbracelet com o R&B refinado de Memoirs of an Imperfect Angel.

Em um momento, ela surge fabulosamente confiante, cantando “In another class from those ladies… you couldn’t walk a mile in my shoes” sobre uma batida de hip-hop pulsante na faixa de abertura “Mi.” Em outro, mostra-se de forma comovente vulnerável, entoando “Seemed like I’d never rise again… haunted by desperation and long harrowing nights” na balada “Nothing is Impossible.”

Este é o primeiro álbum desde que sua mãe e sua irmã faleceram no mesmo dia, no ano passado. Em um período de grande dor emocional, Mariah parece ter mergulhado profundamente na música que a formou: ergue um brinde ao soul vintage de ídolos como Gladys Knight em “In Your Feelings” e ao soft rock dos anos 70 em “My Love” (um cover do Wings); evoca um pouco da energia Donny-Roberta em “Play This Song”, parceria com Anderson .Paak; e deixa-se visivelmente tocar pelo espírito em “Jesus I Do”, colaboração com as Clark Sisters.

É fácil se perder nos números quando se fala de Carey: 320 milhões de discos vendidos, 19 singles em primeiro lugar, um alcance vocal de cinco oitavas e impressionantes 97 semanas no topo da Billboard Hot 100. Ela, sem dúvida, já “fez o suficiente” – mas, três décadas de carreira depois, é a pura paixão por fazer música que parece mantê-la no jogo. Hoje, existem pouquíssimas lendas vivas genuínas ainda em atividade, e Mariah talvez seja a mais prolífica delas – um ícone de carne e osso, em constante diálogo com os sons contemporâneos, cujo amor pela arte permanece intacto.

Ainda assim, alguns mistérios permanecem. Como uma garota interracial, nascida em um lar turbulento e instável, que cresceu quase na pobreza, sem formação musical formal e sem domínio pleno de nenhum instrumento, conseguiu se tornar um talento geracional, lado a lado com lendas como Paul McCartney e Dolly Parton, como uma das compositoras mais bem-sucedidas de todos os tempos? E como será sentar-se ao seu lado no piano, tentando encontrar os acordes que sustentem as melodias douradas que parecem surgir dela já completas?

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No MTV Video Music Awards deste ano, Mariah Carey recebeu o Video Vanguard Award, entregue por Ariana Grande — que a chamou de “a razão pela qual tantas de nós estamos aqui cantando.”
(Foto: Noam Galai/Getty Images)

Mariah dá algumas pistas sobre seu gênio como compositora em The Meaning of Mariah Carey, sua aclamada autobiografia lançada em 2020, quando definiu a arte de fazer discos como “uma espécie de ciência espiritual.” Mas, em geral, ela evita detalhar esse processo da mesma forma que tantos homens brancos com violão costumam fazer — talvez um dos motivos pelos quais sua tão merecida indução ao Rock and Roll Hall of Fame ainda não tenha acontecido.

No fim do último verão, tive o privilégio de uma audiência com a rainha. Em uma entrevista extensa, Carey falou sobre tudo — de Prince a Paul McCartney, de deep cuts a covers com inteligência artificial. Acima de tudo, tentei conversar com ela sobre o processo de composição — algo que ela pareceu valorizar, embora elegantemente tenha evitado se aprofundar nos detalhes. Mesmo nisso, foi icônica: reservada, mas bem-humorada; direta, mas propensa a divagações; calorosa, mas sempre um pouco enigmática.

Nas semanas que se seguiram à nossa entrevista, conversei com três de seus colaboradores musicais: seu diretor musical Daniel Moore, seu parceiro de longa data na composição e produção Jermaine Dupri, e Dev Hynes (o Blood Orange), colaborador inesperado porém inspirado em seu álbum Caution (2018). Todos revelaram a Mariah que raramente vemos: a artista de estúdio incansável, que trabalha noite adentro escrevendo, produzindo e cantando a trilha sonora de nossas vidas.

GQ: Achei apropriado conversar com você no fim do verão. Em boa parte do seu trabalho existe essa nostalgia por um verão despreocupado do passado — em músicas como “Underneath the Stars,” “Dedicated,” “Giving Me Life.” Sempre tive curiosidade de onde isso vem.

Mariah Carey: Acho que quando você está compondo, acaba se apoiando em uma certa textura ou vibração. E o verão é totalmente uma vibe. Eu só tendo a me inclinar para isso de vez em quando, sabe? Porque eu me lembro, como você acabou de falar… é verão, uma taça de vinho e pronto, esquece o resto… [Mariah canta o verso de abertura do deep cut de 2018 “Giving Me Life”] É só uma vibe.

GQ: Algumas semanas atrás, seu novo single “Type Dangerous” chegou ao número um na parada de R&B Airplay — seu primeiro número um nessa parada desde “Fly Like a Bird” em 2006. Eu sempre reassisto aquela sua performance no Grammy. Tenho a sensação de que você foi movida pelo espírito naquele momento.

Mariah Carey: Ah, obrigada! Eu com certeza fui. Foi um momento que nunca vou esquecer.

GQ: Quando você se apresentou naquele Grammy, já tinha vencido todas as categorias de R&B. O que passava pela sua cabeça?

Mariah Carey: Bem, eles não transmitem essas categorias de R&B, então a gente estava super feliz por ter vencido, mas é diferente de quando você sobe no palco e recebe um prêmio na TV. Então aquilo foi outra coisa. Eu estava só feliz de estar lá, mas — não quero me estender demais — naquela noite, minha stylist, não vou dizer quem era, mas ela era minha stylist naquela época…

O Azzedine Alaïa, que ainda estava vivo na época, fez um vestido para mim. Na verdade, ele fez dois: um preto e um vermelho. Mas a stylist me convenceu a usar outro vestido, de outro estilista — e foi um drama. Foi tanto drama que acabou tirando a alegria que eu estava sentindo depois de ganhar os prêmios.

GQ: Bem, eu quase sinto que aquela performance foi o seu discurso de agradecimento.

Mariah Carey: Obrigada.

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Mariah Carey levou o público ao delírio no Grammy Awards de 2006, com uma performance emocionante de “Fly Like a Bird”, acompanhada por um coral gospel.
(Foto: Bob Riha Jr/WireImage)

GQ: Eu amei o novo álbum Here For It All. Sinto que metade dele soa como uma homenagem à música que te formou — há um momento bem Aretha “Rock Steady” em “I Won’t Allow It”, um pouco de Donny Hathaway-Roberta Flack em “Play That Song”, um toque de Quiet Storm, um pouco de Paul McCartney — e a outra metade é o som que você mesma criou, que acabou influenciando todos os cantores que vieram depois de você. Ao entrar nesse álbum, você tinha isso em mente?

Mariah Carey: Não, acho que aconteceu naturalmente. Estávamos fazendo vários tipos diferentes de música e eu estava trabalhando com muita gente diferente. O resultado acabou sendo um álbum eclético, com várias texturas diferentes.

GQ: Foi por isso que você decidiu chamá-lo de Here For It All?

Mariah Carey: Dei esse nome porque é minha música favorita do álbum — e eu não queria que ela se perdesse. Queria garantir que as pessoas ouvissem o disco até o fim, especificamente por causa dessa faixa, porque ela se estende com aquele outro. Você ouviu até o final, certo? Ela entra em toda uma transição. É realmente um momento quando chega em “Here For It All.”

GQ: Acho muito interessante você ter nomeado o álbum assim, justamente para garantir que as pessoas não passassem batido por essa música. Ela é muito poderosa. Começa como uma canção sobre um amor cheio de altos e baixos — você canta “shakes and withdrawals,” “bouncing off the walls” — e depois, conforme sua voz sobe e ganha força, a faixa se transforma em um gospel. Me lembrou como artistas como Aretha Franklin e Sam Cooke — que sei que você reverencia — sempre caminharam na linha entre o secular e o sagrado. Pode contar como essa música nasceu?

Mariah Carey: É difícil explicar. Comecei a compor quando a música ainda não tinha esse outro, não tinha toda essa parte, que depois adicionamos. Acho que, inicialmente, a ideia era que fosse uma balada simples, mas, conforme fui vivendo com a faixa, percebi que ela precisava se expandir. Então deixamos a música se prolongar até o fim do álbum.

GQ: Como alguém que tem acompanhado sua música ao longo dos anos, achei interessante ver em “Here For It All” — e até em “Giving Me Life” do álbum anterior — que você fez canções menos estruturadas, mais livres… mais “digressões”, como você mesma diria.

Mariah Carey: [Risos] É definitivamente uma digressão, principalmente naquela parte final.

GQ: Sempre me perguntei se — ou quando — você faria um álbum gospel, e sinto que este disco quase parece ser sua versão disso. Muitas músicas acabam sendo sobre Deus.

Mariah Carey: Sim, especialmente “Jesus I Do”, feita com as Clark Sisters. Foi incrível. Nem consigo explicar o quanto fiquei arrepiada cantando com elas. Eu não acreditava que aquilo estava realmente acontecendo.

Mariah Carey: “Uma das minhas pessoas favoritas para trabalhar é o Daniel Moore. Ele fez a ponte com as Clark Sisters e a gente ficou tipo: ‘Uau, isso é incrível.’ Elas estão no topo em tudo, eu as amo.”

*“A grande coisa sobre a M é que ela é tanto um ‘Honey’ quanto um ‘Hero’,” diz Daniel Moore, diretor musical de Carey.

Moore entrou para a equipe como tecladista em meados da década de 2010. Nos últimos anos, tornou-se um dos principais parceiros de composição da cantora, especialmente nas faixas mais introspectivas, como “Portrait.”

“Geralmente, ela simplesmente começa a cantar a melodia,” conta Moore sobre o processo criativo. “Aí eu tento encontrar acordes que combinem com essa melodia. E então vamos trocando impressões sobre o que parece ser um verso, o que parece ser um refrão.”

Ao longo da carreira, Carey usou essas faixas de álbum para expor composições mais pessoais: sobre sua história familiar traumática (“Close My Eyes,” “Petals”), as dificuldades de crescer como uma criança birracial (“Outside”), ou o fim de relacionamentos (“Camouflage,” “Breakdown”).

“Quando comecei a trabalhar com ela em Caution, ela me disse logo de cara que, nessas deep cuts, as letras são dela,” relembra Moore. “Ela tem um diário onde escreve tudo. São realmente seus pensamentos pessoais, aquilo que está sentindo no momento.”

Em “Portrait” (2018), por exemplo — a primeira colaboração deles — ela canta: “Where do I go from here? How do I disappear?” “Só ela sabe a parte da vida à qual se refere,” afirma Moore. “Só ela sabe daquele momento divino. Não acho que pareceria tão autêntico se não viesse única e exclusivamente dela.”

Moore também foi coautor de “Here For It All”, talvez o clímax emocional e musical do novo álbum: uma balada soul que remete a clássicos iniciais como “Vanishing”, e que, quando parece terminar, se transforma em um gospel radiante e triunfante.

“Começamos a escrever durante a era da COVID, no The Butterfly Lounge,” lembra, fazendo referência ao estúdio intimista que Carey montou na pandemia para apresentações e gravações. “A primeira coisa que lançamos dali foi um mix de Dia dos Namorados de ‘We Belong Together.’ A gente reinventou a faixa e começou a improvisar. ‘Here For It All’ nasceu nesse mesmo espaço. Parece uma canção de amor, mas dá aquela guinada porque era isso que estávamos fazendo no Butterfly Lounge: sem regras, nada de ‘precisa ter 3 minutos e 30 segundos para tocar no rádio.’”

Até hoje, Moore se impressiona com a genialidade da chefe na composição. “Meu antecessor, Big Jim Wright, contou que eles tinham acabado de gravar ‘Circles’ (The Emancipation of Mimi) e ela estava se preparando para ir embora. Foi ao banheiro, ele começou a arrumar as coisas e, quando voltou, ela disse: ‘Espera, tenho mais uma coisa.’ Ela simplesmente cantou ‘da-ra-da-ra-ra-ra’… e daí nasceu ‘Fly Like a Bird.’ Foi no momento. Isso é quem ela é.”


GQ: Falando em colaboradores, você tem uma lista incrível de parceiros frequentes, como Bryan-Michael Cox e Jermaine Dupri, mas de vez em quando também traz gente nova para o círculo. O que você procura em um novo produtor ou compositor quando decide trabalhar com alguém? Quando conheceu Dev Hynes ou Anderson .Paak, o que fez você sentir que queria colaborar com eles?

Mariah Carey: Alguém tinha comentado sobre o Dev Hynes comigo, e eu entrei em contato porque amo o Blood Orange. A gente começou a trocar ideia, foi rolando uma vibe, eu e o Dev Hynes, e acabou virando… Bom, isso já é uma digressão! [risos] É a digressão daquela música “Giving Me Life” e do outro dela.

GQ: Essa é uma das minhas músicas favoritas suas. Quando ele começa a detonar na guitarra no final?

Mariah Carey: Sim, eu amo aquilo.

GQ: Pensando no Dev Hynes tocando guitarra elétrica nessa faixa — e em como você sempre gravou muitos covers de rock ao longo dos anos — não chega a ser surpresa que você já tenha tido uma banda de rock secreta.

Mariah Carey: Você já ouviu?

GQ: Não. Quer dizer, como a gente vai ouvir? Quando esse álbum vai sair?

Mariah Carey: Eu não sei! Não sei quando a gente vai ouvir.

GQ: Ainda está nos arquivos?

Mariah Carey: Metade está nos arquivos, metade fora deles.

GQ: Bom, já é um alívio saber que metade está com você. [risos] Você comentou em uma entrevista que sua filha escuta Olivia Rodrigo…

Mariah Carey: Mm-hmm.

GQ: Ela é bem Chick, bem Someone’s Ugly Daughter. Acho que ela gravaria um cover de uma dessas músicas.

Mariah Carey: [risos] “Ela é meio que bem Someone’s Ugly Daughter.” Eu amei isso.

GQ: Acho que você devia convencer ela a gravar um cover de uma dessas faixas.

Mariah Carey: Acho que preciso arranjar uma camiseta para ela… mas não pode estar escrito “Someone’s Ugly Daughter,” isso não! [risos] Eu uso! Eu uso a camiseta.


Dev Hynes, produtor e compositor que grava sob o nome Blood Orange, ainda lembra de como se apaixonou pela música de Mariah Carey. “Minha irmã tinha o álbum Butterfly,” conta. “Eu definitivamente já era fã.” Depois disso, seguiu acompanhando sua trajetória com Rainbow (1999) e, claro, The Emancipation of Mimi (2005).

Autor de hits indie como “Everything is Embarrassing” (Sky Ferreira) e responsável por trilhas sonoras de filmes como Passing (de Rebecca Hall), Hynes parecia um colaborador improvável para uma estrela do R&B que domina as paradas como Carey. Seu melhor trabalho costuma habitar um espaço etéreo e liminar, que remete tanto ao pop dos anos 80 quanto à obra do minimalista Julius Eastman.

Mas Mariah sabia exatamente de quem precisava para criar “Giving Me Life”, a faixa mais envolvente de Caution (2018). “É engraçado porque essa música tem aquele final longo, meio experimental,” lembra Hynes. “Acho que muita gente pensa que fui eu quem inventou aquilo — mas foi tudo ideia dela.”

O primeiro encontro entre eles foi direto no estúdio. “A gente se sentou e começou ouvindo muita música, só para criar uma conexão musical,” relembra Hynes. “E logo de cara fiquei impressionado: ela tem um conhecimento musical insano. Tanto do ponto de vista de quem compõe — entendendo melodia, acordes, tudo isso — quanto como fã de música. Ela mencionava coisas tipo ‘a faixa quatro do Innervisions do Stevie [Wonder].’ Foi incrível. Depois disso começamos a falar da própria música dela, e foi muito legal perceber o quanto ela é consciente e conhecedora do próprio catálogo.”

Momentos depois, já estavam no piano criando o que se tornaria “Giving Me Life.”

“Olha, eu já sabia que ela era de outro nível, mas esse momento ficou comigo para sempre,” diz Hynes. “Eu estava tentando descobrir para onde ir no piano, ela parou, pensou e cantou sete notas muito rápido. Toquei as notas e saiu um acorde perfeito, não era um acorde comum. Era tipo uma nona diminuta, uma coisa louca,” relembra, ainda incrédulo. “Foi divertido e solto, mas um daqueles momentos em que eu realmente tive que estar no meu melhor, musicalmente. Eu precisava estar afiado, porque ela é absurdamente ligada em tudo. Mesmo sem estar tocando diretamente, ela sabe exatamente o que fazer.”

Eles seguiram trabalhando noite adentro. “Lembro dela me dizer: ‘Eu sou um rato de estúdio. Eu vivo no estúdio. Estou neles desde os 20 anos. É onde eu floresço.’”

Comentei com Hynes que Mariah nem sempre gosta de detalhar seu processo de composição, quase como se as músicas simplesmente viessem até ela e pronto. Ele concordou: “É exatamente isso.”


Dev Hynes: “É engraçado, quando penso em pessoas que estão sempre [explicando] como escrevem, geralmente vem de um lugar de insegurança,” diz. “Acho que ela é tão segura e confiante em suas escolhas que nunca sente essa necessidade. Por isso ela não se preocupa tanto em expor esse processo.”

“Acho que foi por isso que fiquei tão chocado no estúdio, com a eficiência e o conhecimento musical insano dela — talvez por causa da imagem que sempre colocaram para fora.”

GQ: Ok, então me conte sobre trabalhar com o Anderson .Paak. As músicas que vocês fizeram juntos no álbum são ótimas, como “Play This Song” e “In Your Feelings.” Existe uma química musical real ali. Como essa colaboração aconteceu?

Mariah Carey: Bom, eu liguei para ele primeiro porque o Silk Sonic era incrível, e na verdade meu filho, Rocky, era obcecado por eles. Ele ouvia o tempo todo, usava a camiseta — era uma coisa toda. Então entrei em contato, fomos para o estúdio e começamos a escrever. A primeira música que fizemos juntos foi “In Your Feelings” e também compusemos “I Won’t Allow It” naquela sessão. Foi uma química incrível, uma química musical de verdade.

GQ: Como vocês decidiram transformar “Play This Song” em um dueto seu com o Anderson?

Mariah Carey: Acho que nós dois estávamos cantando e não tinha aquela decisão de “Ok, vamos fazer um dueto.” Mas acabou virando um dueto, e ficamos animados de trabalhar juntos novamente, como parceiros na faixa.

GQ: É quase um momento Donny-Roberta. É maravilhoso.

Mariah Carey: Adorei você ter dito isso.

GQ: Você mencionou antes que seu filho era fã do Silk Sonic, e sei que você já disse que sua filha ouve Olivia Rodrigo e Sabrina Carpenter, todas as pop girls. Agora que seus filhos já têm um gosto musical tão bom, você costuma mostrar ideias musicais para eles ou pedir que ouçam as músicas e digam o que acham?

Mariah Carey: Às vezes eu mostro ideias para eles, mas quase nunca. Não me importo com o que eles pensam. [risos] Não, brincadeira! Eu me importo, sim. Mas raramente mostro as músicas antes, prefiro esperar até que estejam completamente finalizadas, o álbum inteiro pronto, porque aí eles não vão dizer: “Mãe, por que você fez isso? Por que fez aquilo?”

GQ: Ouvindo o álbum, me veio à cabeça que talvez seja o seu mais emocional desde Charmbracelet. Penso em faixas como “My Saving Grace” e “Sunflowers for Alfred Roy” — dá para traçar uma linha direta dessas músicas para “Nothing is Impossible” e “Here for It All.” No seu livro de memórias, você descreveu Charmbracelet como “um casulo, um lugar de abrigo, cura e crescimento que tornou possível florescer novamente.” Você sente que este novo álbum também é assim?

Mariah Carey: Sim, sinto. Acho que é muito parecido nesse aspecto. Eu amo Charmie. Amo Charmbracelet, e é difícil porque só os fãs de verdade conhecem esse álbum. Faz muito tempo que não escuto.

GQ: Bom, como alguém que ouviu recentemente, posso dizer que continua atual. É realmente um ótimo disco.

Mariah Carey: Obrigada.


“Na verdade, eu me transformo no que as pessoas acham que ela é, e ela mais ou menos age como o que acham que eu faço no estúdio,” diz Jermaine Dupri, lendário compositor e produtor por trás de sucessos como “Yeah” e “Nice & Slow” de Usher, “Jump” do Kris Kross e “The First Night” de Monica.

“Eu tento levar a Mariah para fazer músicas lindas, com vocais marcantes. E, às vezes, ela chega querendo dizer: ‘Quero samplear esse beat.’ A conversa dela no estúdio é mais parecida com a de um rapper do que com a de uma cantora — e isso é assim desde o primeiro dia.”

Dupri é um dos colaboradores mais fiéis de Carey, e dessa parceria nasceram hits que definiram eras, como “We Belong Together,” “Shake It Off” e “Always Be My Baby.” Ele esteve ao lado dela em diferentes fases da carreira, desde o auge de Daydream (1995), passando pela reconstrução pós-Glitter em Charmbracelet (2003), até a transição de Me. I Am Mariah… The Elusive Chanteuse (2014).

“Ela chega ao estúdio praticamente já sabendo o que quer fazer. Não entra para descobrir no momento. Ela já sabe o que vai fazer antes mesmo de reservar a sessão,” explica. Para ele, isso a torna “uma das artistas mais incomuns que conheço.” “A maioria vai ao estúdio sem saber exatamente o que vai fazer e deixa as coisas rolarem. Ela não: chega com seus cadernos, dicionário, tudo. É algo real para ela. Não é do tipo ‘vamos ver o que sai.’ Ela sabe que tipo de música quer compor, que participações quer ter. Não existe esse papo de ‘quem deveríamos chamar?’ ou ‘o que você acha?’ Não. Ela sabe imediatamente o que quer. ‘Quero gravar com essa pessoa. Quero cantar sobre esse beat. Quero que você sampleie isso.’ Ela é muito direta no que deseja fazer.”

O papel dos colaboradores, então, é ajudar a transformar essas ideias em realidade.

Embora Carey seja frequentemente creditada como a artista pop que criou a ponte com o hip-hop — inovação consagrada no “Fantasy Remix” com Ol’ Dirty Bastard — Dupri acredita que isso vai ainda além.

“Ela começou o hip-pop, ponto final. Sabe o que quero dizer? Uma artista pop cantando sobre beats sampleados, com melodia por cima — isso é Mariah Carey. Foi ela quem começou isso. Acho que isso deveria ser falado até mais do que os remixes.”

“Mesmo a versão original de ‘Fantasy’ antes do ODB já tinha aquele sample. ‘Honey,’ ‘Fantasy’ — todas essas músicas têm essa base hip-hop por baixo. A maioria dos artistas pop que está aí hoje nem existia quando Mariah surgiu. Todos estudaram essa fórmula.”


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Mariah Carey em um momento nos bastidores com Paul McCartney.
(Foto: Rick Diamond/WireImage for The Recording Academy)

GQ: Este álbum segue sua grande tradição de incluir covers. Sua versão de “My Love”, do Wings, é belíssima. Tem quase um clima Quiet Storm, você concorda?

Mariah Carey: Acho que está certo. Não é totalmente tão soul quanto eu faria em um disco puramente Quiet Storm, mas eu amo essa música. Não quero revelar muito, mas ouvi dizer que o Paul McCartney talvez toque alguns instrumentos ou algo assim. Estou esperando meu agente, Rob Light, me ajudar a descobrir isso. Não sei o que está acontecendo. Parece que não vai rolar.

GQ: Não, vai rolar sim!

Mariah Carey: O quê? [Mariah fala com alguém ao lado dela na chamada] Ah, qual é…

[Alguém do lado de Mariah diz: “Foi isso que ele falou.”]

Mariah Carey: Estão dizendo que ele não pode fazer. Enfim. [risos]

GQ: Olha, de qualquer forma, já está incrível.

Mariah Carey: Obrigada.

GQ: Uma coisa que fiquei curioso sobre o cover de “My Love” é que essa música é de 1973, e muitos dos covers que você já gravou no passado são de canções dos anos 80. Ou seja, você ainda era criança quando essa saiu. O que nessa música ressoa com você?

Mariah Carey: Bom, não esqueça que também gravei “Without You”, que é mais ou menos da mesma época.

GQ: É mesmo, verdade.

Mariah Carey: Minha mãe dizia que sempre tocava essa música para mim, “Without You.”

GQ: “My Love” também era uma das favoritas dela?

Mariah Carey: Não sei se era a favorita, mas lembro de andar de moto com a filha de uma amiga da minha mãe e o namorado dela, e eu estava ouvindo “My Love.” Nunca esqueci desse momento.

GQ: Eu adoro quando músicas despertam memórias. Falando em Paul McCartney, lembro daquela cena de vocês no Live 8. Não foi quando ele te incentivou a cantar mais alto durante a apresentação coletiva de “Hey Jude”?

Mariah Carey: Foi sim! Isso foi tão incrível. Obrigada por me lembrar disso.

GQ: Muitos dos seus covers são de músicas dos anos 80, como “The Beautiful Ones” do Prince e “One More Try” do George Michael.

Mariah Carey: É porque foi a época em que eu cresci. É isso. Eu amo “The Beautiful Ones.” E lembro que o Prince não gostava que regravassem suas músicas. Ele me disse: *“Mas eu amo ‘Honey.’” Foi tipo: “O Prince gosta de *‘Honey!’” [risos] Mas, sobre “The Beautiful Ones,” ele dizia que não curtia quando faziam covers das músicas dele. Eu fiquei: “Ai, não! Ele não gosta.” Mas aí ele me disse que curtia “Honey.”

GQ: Olha, pelo menos ele ouviu o Butterfly.

Mariah Carey: Pois é, eu sei! Nem acreditei que ele tinha escutado o álbum.

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Carey and Prince at the 75th anniversary gala of the Apollo Theater. WENN Rights Ltd / Alamy Stock Photo

GQ: Estávamos falando sobre como o Prince, notoriamente, não gosta que façam covers de suas músicas. Sempre tive curiosidade: você gosta quando fazem covers das suas?

Mariah Carey: Não muito. [risos]

GQ: Pergunto isso porque recentemente rolou uma pequena polêmica quando acharam que você não tinha gostado do cover de “We Belong Together” feito pela Muni Long. E claro, eu sei que você adora ela — vocês até trabalharam juntas em Caution. Então, para deixar claro: o que você achou do cover?

Mariah Carey: Eu nem ouvi o cover. Nem sabia que tinha acontecido. Ninguém me contou.

GQ: Foi no iHeartRadio, com a Muni Long.

Mariah Carey: Eu amo a Muni Long! Só não sabia que ela tinha cantado “We Belong Together” como cover, porque a música dela era tão parecida com “We Belong Together.” Eu não fazia ideia que ela tinha cantado “We Belong Together.”

GQ: Mas ela mudou bastante, ficou diferente. Fez a versão dela.

Mariah Carey: Bom, fico muito honrada e lisonjeada por ela ter feito isso. Eu amo a Muni Long, ela é uma ótima pessoa, mas… eu só não gosto que façam minhas músicas. [risos]

GQ: Recentemente, você fez remixes para a própria Muni e para a Ariana Grande — duas artistas que são grandes fãs suas — em “Made For Me” e “Yes, And?” Como alguém que é praticamente a rainha dos remixes, fiquei curioso: qual é o processo quando você escreve um novo verso para a música de outra pessoa? Como você se encaixa em canções que já são hits por si só?

Mariah Carey: Quando a música já é um sucesso, é um pouco difícil acrescentar meu toque, mas eu faço o melhor que posso. Quando a Muni lançou a dela e eu adicionei meu verso, gostei muito. Lembro exatamente onde estava quando escrevi, adorei.

E com a Ariana, quando ela fez o remix de “Yes, And?” e me chamou: “Quer participar?” Eu amei aquilo, de verdade. Porque é o tipo de música dance que eu gosto muito.

GQ: Bem no estilo C+C Music Factory.

Mariah Carey: Exato!

GQ: Falando em covers… No início da sua carreira, a Carole King queria que você gravasse “Natural Woman”, que obviamente a Aretha eternizou, mas você disse que preferia escrever algo novo com ela.

Mariah Carey: Ai meu Deus. E eu disse: “Na verdade, a gente podia compor algo juntas,” né?

GQ: Isso mesmo.

Mariah Carey: Por quê? Você achou que foi meio ousado?

GQ: Não, não! Pelo contrário. Achei incrível uma artista jovem dizer: “Na verdade, Carole King, compositora lendária, vamos compor juntas.”

Mariah Carey: Pois é, eu sei! Foi um pouquinho atrevido da minha parte. [risos]

GQ: Mas a música ficou maravilhosa: “If It’s Over.” Como a Carole reagiu quando você sugeriu isso?

Mariah Carey: Acho que ela sentiu que eu estava me inclinando para coisas que ela mesma já tinha feito bem jovem, e não queria repetir. Então entendi totalmente.

Nos últimos anos, enquanto muitos dos contemporâneos de Mariah Carey têm se debatido, pulando de tendência em tendência, de colaborador em colaborador, em busca de relevância — ou ao menos de um hit no TikTok — a cultura parece ter se curvado ao som dela.

Dois anos atrás, “It’s a Wrap”, faixa de Memoirs of an Imperfect Angel (2009), de repente virou sensação no TikTok, invadindo as paradas no Reino Unido, Nova Zelândia, Coreia do Sul e Estados Unidos — 14 anos após seu lançamento original.

Jermaine Dupri afirma que só viu Mariah se tornar ainda mais confiante artisticamente ao longo dos anos. “Acho que isso é um testemunho do fato de ela estar aí há tanto tempo. Ela já fez tantos discos, e acredito que a única forma de se manter nesse espaço por tanto tempo é prestando atenção em quem você é, no que faz, no que já fez e entendendo o valor disso,” diz. “Não existe valor em Mariah fazer músicas que soem como as de outra pessoa.”

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Mariah Carey fazendo uma pausa para seu lanche favorito no McDonald’s da Times Square, durante um dia de compras em Manhattan.
(Foto: New York Daily News Archive/Getty Images)

Durante as sessões de “Giving Me Life”, Dev Hynes lembra que Mariah comentou, empolgada, sobre a ideia de trazer o rapper dos anos 80 Slick Rick para a faixa. “Ela disse: ‘Seria incrível ter o Slick Rick nessa música.’ Era aí que a mente dela estava,” conta Hynes. “Eu meio que me identifico com isso. É aquela coisa que eu chamo de ‘pôsteres na parede’ — quando você ainda faz música a partir do mesmo lugar de quando estava no quarto, com pôsteres dos artistas que você amava na parede. Acho que ela ainda mantém isso. Quando falava do Slick Rick, dizia: ‘Ele era meu rapper favorito quando eu crescia em Nova York. Preciso entrar em contato com o Slick Rick.’”

Para Hynes, isso resume o espírito da artista: “Quando você realmente ama a música e assume de verdade as coisas que te formaram, fica quase mais difícil seguir tendências. É como ir contra a sua própria natureza.”

GQ: No novo filme de Spike Lee, Highest 2 Lowest, o Denzel Washington interpreta um executivo fictício de gravadora. Em um momento do filme, uma aspirante a cantora de R&B diz que quer trabalhar com o personagem do Denzel principalmente porque ele já trabalhou com “Mariah Carey.”

Mariah Carey: Eles disseram Mariah Carey?

GQ: Sim. Ela falou algo como “Adoro o seu trabalho com a Mariah.” Pareceu um tributo, uma referência a você feita pelo Spike Lee. Depois de tantos anos de carreira, você virou esse atalho para representar conquista musical, uma estrela-guia para qualquer pessoa que sonha em ser cantora.

Mariah Carey: Isso é incrível. Preciso ver esse filme. Onde está passando, na Netflix?

GQ: Está nos cinemas agora, mas estreia na Apple daqui a uma semana. É uma parceria Spike Lee-Denzel Washington. E fala sobre a indústria da música, acho que você vai adorar.

Mariah Carey: Ah, vou amar. Adoro eles. O Spike Lee já fez um [curta] para mim, no qual eu apareço. Não sei se você viu. Era só um videozinho de meninas no banheiro.

GQ: Sim, eu vi. Você sempre gostou do trabalho dele?

Mariah Carey: Sempre. Amo aquele em que se passa no Brooklyn, Do the Right Thing.

GQ: Fico curioso em saber como alguém como você se sente em relação aos covers feitos por inteligência artificial. Porque agora vemos vários por aí: às vezes pegam a voz de um cantor e colocam em uma música que ele nunca cantou, ou usam vocais de 1965 em uma faixa de 1995. É bem louco. Como uma das maiores cantoras de todos os tempos, o que você acha dessa tecnologia?

Mariah Carey: Bom, acho que é algo que algumas pessoas precisam mais do que outras… Mas também já ouvi alguns em que diziam “Mariah Carey canta…” e chamavam aquilo de “My All”, mas não era “My All” de jeito nenhum e nem soava como eu. Então, não sei o que dizer. Acho que a tecnologia é legal, mas não sei se isso é o melhor para todos nós.